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10.12.09

Carta Aberta ao Presidente do Conselho de Gestão

Caro Presidente do Conselho de Gestão do Instituto Superior Técnico,
Ex.mo Prof. António Manuel da Cruz Serra

Vimos por este meio, em regime aberto e dando conhecimento da presente missiva a várias partes interessadas na gestão óptima do Instituto Superior Técnico, apresentar-lhe um problema e uma possível solução para uma situação existente há vários anos no campus da Alameda.

A mobilidade sustentável assume-se hoje como um conceito operativo indispensável; mais do que uma noção advinda das preocupações ecológicas e ambientais que permeiam todas as sociedades ocidentais, a mobilidade sustentável é, pela sua especificidade, uma componente inadiável do ordenamento do território e do planeamento urbano. A sua gestão origina repercurssões a diferentes escalas: afecta directamente quer a eficiência e a intensidade energéticas de cada país, quer a própria qualidade de vida dos seus cidadãos.

Ora, não se pode, como em muitos outros assuntos, colocar o ónus da mudança apenas em renovações estruturais e tecnológicas; um agente incontornável terá de ser a adopção de novos comportamentos sem prejuízo da qualidade de vida; o desafio, a nível urbano, é precisamente garantir que os cidadãos mantenham a capacidade de se de deslocarem de muitas formas diferentes e segundo as actividades que exercem, mas incluindo nas suas escolhas modais as externalidades que eles comportam.

Não se compreende, portanto, como é que a suposta escola de excelência de ciência e engenharia que é o Instituto Superior Técnico, em cujas cátedras marcam presença autoridades académicas nos temas aqui referidos, ajuda a perpetuar este tipo de situações. A sua localização no centro de Lisboa e as suas características populacionais garantem-lhe não só uma enorme disponibilidade e fidelidade de transportes públicos – dezenas de carreiras da Carris e duas linhas de metropolitano –, mas também a condição de atracção e geração de tráfego rodoviário. Dois aspectos que poderiam e deveriam estar coordenados estão em conflito, por uma simples razão: o estacionamento no campus da Alameda é permitido de forma quase gratuita, a todos os funcionários, professores, investigadores e alunos finalistas; como se não fosse suficiente, muitas vezes este estacionamento é feito e permitido no próprio passeio do campus, confundindo ainda mais aquilo que é o espaço do automóvel e o espaço do peão, e legitimando a ocupação abusiva dos passeios que vinga em toda a cidade. Andar a pé pelo campus torna-se numa experiência desagradável e opressora para quem lá trabalha e estuda; não repararmos nela não significa que ela não exista; apenas assinala a nossa excessiva familiaridade e convivência com o erro. Existe assim uma contradição crassa entre os méritos académicos do Instituto Superior Técnico e a imagem que dele sobeja, por vezes só reconhecida pela surpresa e estupefacção de académicos estrangeiros, como já diversas vezes aconteceu.

Uma universidade não é e não pode ser uma ilha. Não pode estar isolada. Deve receber as influências exteriores da sociedade, moldá-las de acordo com o seu saber e conhecimento e devolvê-las, zelando pela sua aplicação. Manter um estacionamento quase gratuito dentro do campus e em interferência com os peões é, ao mesmo tempo, imitar o pior que a cidade demonstra – a invasão impune dos passeios – e não aproveitar os seus exemplos correctos – o estacionamento taxado. É dizer à sociedade que a universidade deve ser escutada mas que as regras que explicita não serão aplicáveis dentro dela.

É com um apelo ao bom-senso que finalizamos esta breve exposição, conscientes de que haveria muito mais a dizer. Cremos ser fundamental um reordenamento do estacionamento no Instituto Superior Técnico que fomente a adopção de transportes públicos e de outros modos de transporte. A sensibilização e educação para uma política de transportes públicos não deve apenas existir dentro das salas de aulas. Propomos assim uma reformulação do modelo de gestão do estacionamento e da própria configuração dos cerca de 750 lugares à superfície no campus da Alameda, de modo a que:
  • As externalidades do uso da viatura particular sejam tarifadas – mensalmente ou anualmente – em contiguidade com a generalidade do custo do estacionamento na cidade, tal como acontece noutros campi lisboetas
  • O montante decorrente das tarifas seja investido na melhoria das condições do campus e do seu equipamento
  • A mobilidade do peão não seja prejudicada pelos espaços de estacionamento existentes no próprio passeio
  • A acessibilidade automóvel ao campus esteja coordenada com o horário de funcionamento dos transportes públicos circundantes
Recomenda-se concretamente, quanto ao último ponto, a deslocação do horário de acesso ao “estacionamento limitado” que prevê a entrada para todos os portadores de cartão de identificação do Instituto Superior Técnico a partir das 17h para as 20h, altura em que a oferta de transportes públicos circundantes ao campus diminui e o tráfego nas imediações já não é tão intenso.

Espera-se desta forma que haja um estímulo directo à utilização dos transportes públicos, actuando o pagamento do estacionamento como a componente dissuasora. O acesso de empresas de cargas e descargas deverá contudo ser preservado destas reformas.

Concluímos com duas sugestões. A primeira prevê a instalação de um projecto-piloto, ligado ao Departamento de Engenharia Civil e envolvendo alunos finalistas na gestão da mobilidade do campus; além de várias licenciaturas envolverem a temática dos transportes e da mobilidade sustentável, pode ser uma excelente oportunidade para mostrar aos estudantes que as melhores práticas científicas muitas vezes coincidem com a sua pertinência social. A segunda surge numa perspectiva de planeamento a longo prazo que poderá envolver os alunos e professores da licenciatura em Arquitectura, sugerindo-se a remoção gradual do parque automóvel do interior do campus e um arranjo paisagístico concomitante que promova assim o enriquecimento da vida dos estudantes, funcionários e investigadores do Instituto Superior Técnico.

Cremos que a adopção dos elementos aqui elencados constituem, se concretizados, uma demonstração exacta da seriedade do mundo académico enquanto divulgador dos bons exemplos para a sociedade e legitimam a sua adopção por outras empresas e instituições.


Com os melhores cumprimentos,

Tiago Mesquita Carvalho – ex-aluno e actual bolseiro de investigação científica no IST
Rosa Félix – Estudante de Engenharia do Território
Filipe Beja – Finalista em Engenharia do Território

7 comentários:

  1. Eu proponho o seguinte exercício. Alguém que se inscreva na disciplina de Energia nos Transportes e tente perceber que razão faz com que as pessoas usem o automóvel em grande parte das deslocações. Não se deixem cair na tentação de assumir que esta decisão é anacrónica e irracional sem analisar a fundo a questão. Não se perde nada em ter conhecimentos profundos sobre uma questão antes de a debater.
    Gostava também de informar que os finalistas JÁ não têm acesso ao parque como vinha a ser prática nos anos passados. Essa benesse já foi retirada. E já agora seria bom ler o regulamento do estacionamento. Uma vez que o horário de abertura não é às 17 horas como referido.
    Para finalizar gostaria de deixar uma pergunta. "Os ferros para fixação das bicicletas mordem?" É que eu estudo frequentemente no pavilhão de civil e noto uma alergia crescente que leva as pessoas a fixarem as bicicletas no gradeamento da rampa do pavilhão de civil e nos postes da esquina do central. Eu gostava de saber o que leva as pessoas a tomar essa atitude quando existe um local específico para o efeito.
    Já agora gostava também de deixar a seguinte informação, eu venho para o meu local de estudo de carro e complemento o percurso de bicicleta.
    Cumprimentos

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  2. Concordo plenamente com a iniciativa.
    Ainda há pouco tempo vi um estudante do técnico com problemas de mobilidade, e não conseguia andar no passeio, por estar cheio de carros. Fico com vergonha de estudar numa escola que trata assim os seus alunos, e não fazer nada para a melhorar.
    Felizmente vocês fizeram, obrigado.
    rui

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  3. Concordo em parte com esta carta. No entanto, a minha experiência diz que há alunos que moram bastante longe do IST (como é o meu caso, moro em Mafra), e a ida de automovel, muitas vezes partilhado com outras pessoas que moram no mesmo sitio é o único meio de transporte que lhes permite chegar a tempo a locais de trabalho e poupar dinheiro. Dividir a gasolina que se gasta ao mês por 5 pessoas sai muito mais barato que comprar os passes combinados metro-carris-outra transportadora.
    Afinal, as iniciativas que andam por aí é de por as pessos a diminuirem os carros na estrada, e eu concordo, quando vejo na Calçada de Carriche as filas intermináveis de carros, apenas com o condutor lá dentro. Mas quando o carro, que tem 5 lugares, serve como transporte "público" a várias pessoas, é diferente. Já custa pagar parquímetro à volta do Técnico para irmos às aulas, até à hora a que podemos entrar com o carro, agora querem alterar isso também? Façam uma cota, que se pague anualmente ou semestralmente, para alunos que comprovem que moram longe do IST, façam um limite de km's se quiserem, e permitam-nos colocar o carro lá dentro. Sai mais barato que pagar parquímetro na rua, com a mais valia de que o carro não é vandalizado nem assaltado, e as meninas que por ali andam à noite não o utilizam como local de descanso.

    Concordo com a iniciativa, ma toda a regra tem a sua excepção. E esta é uma bem grande. A cota é uma boa medida, mas não a coloquem exorbitante que ninguém a consegue pagar, nem a ponham só para profs, investigadores e finalistas. Coloquem para quem precisa.

    Obrigada

    Isabel Paixão, Mestrado em Engenharia Biológica

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  4. É interessante ver nos comentários que há sempre desculpa para se ter de trazer o carro... mas só em Portugal. Já tive a oportunidade de estar noutros países europeus, nomeadamente visitar universidades estrangeiras, e tal ideia nem se põe, quanto mais discuti-la!

    E, como é dito no texto, a actual situação só contribui para uma péssima imagem do IST enquanto alegada instituição de excelência, instituição esta que tem cursos e especialistas em transportes, mas que depois a única solução que encontrou para o transporte das pessoas para o IST é substituir os passeios por lugares de estacionamento (aliás, como é prática generalizada em Lisboa). Isto num dos poucos locais de Lisboa que é servido por 3 linhas de metro (Amarela, Verde e Vermelha) e por dezenas de carreiras de Carris. E, se for mesmo preciso levar o carro, há um parque de estacionamento no Arco do Cego a 2 minutos. Paga-se? Paga-se, claro, mas cabe na cabeça de alguém não se pagar no centro da capital de um País que se quer civilizado?

    Da minha parte, vou para o IST de comboio da CP mais metro (e mesmo que tivesse lugar gratuito dentro do recinto, não faria de outra forma).

    Hugo Ferreira, Mestrado em Engenharia Física Tecnológica

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  5. Boa iniciativa! Realmente o campus do Técnico está a ser indignamente usurpado pelos automóveis. Já agora, é pena o Técnico ter ficado a ver passar o Metro mesmo debaixo dos pés... num local frequentado por quase 10K pessoas diariamente, dava jeito uma estação com acesso imediato. Ainda assim, reconheçamos, ficámos melhor!

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  6. A vossa iniciativa já chegou ao Público!

    http://jornal.publico.clix.pt/noticia/21-12-2009/alunos-criticam-estacionamento-excessivo-no-ist-18456850.htm

    Parabéns!

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  7. Desde já felicito a vossa iniciativa, e o tempo despendido na mesma, pois o que menos se tem visto neste país são iniciativas que proponham melhorias mesmo que por vezes não sejam a melhor solução. Normalmente há uma possível solução que nem se debate e é logo aceite como lei, esperando os resultados da mesma sejam eles bons ou maus.

    Na minha opinião começo por dizer que não sou a favor em quase nada desta proposta.
    Já sou aluno do técnico há quatro anos e sempre observei o problema de estacionamento dentro do campus. É claro que não gosto de ir pelo passeio e andar a esquivar-me de muitos carros, que apesar de ser permitido estacionar até meio do passeio alguns não o cumprem e originam situações caricatas.
    Acho que uma coisa que não pode ser dispensável são os lugares para os docentes. Não sei ao certo se o corpo não docente tem direito ou não a estacionamento, mas se não têm acho que deveriam ter. Fazendo uma analogia com uma empresa, penso que não é boa estratégia da mesma querer contratar funcionários sem oferecer boas condições à prática laboral, como é o caso de oferecer um lugar de estacionamento perto da zona de trabalho.
    Quanto à questão dos lugares para alunos penso que está bom como está agora, sendo apenas o acesso permitido após as 17:00 hora a partir da qual o estacionamento no campus já não é tão problemático, se bem que durante este semestre notei que a cancela dá acesso aos cartões limitados a partir das 16:30. Concordo também com o estacionamento permitido a partir das 16:30 na época de exames, o que permite ao alunos poupar dinheiro que seria gasto em parquímetros da EMEL para os que os pagam.
    É claro que esta proposta e este tema origina muitos outros temas e discussões, mas tentando não me desviar do tema principal gostaria só de deixar uma questão relevante. Se objectivo dos parquímetros é diminuir o número de veículos em Lisboa, ainda mais com a duplicação do preço há dois anos, o que foi feito em Lisboa para melhorar a mobilidade? Não vi melhorias, e continua-se a ouvir falar do grande défice orçamental da câmara de Lisboa (500M€). Nem para tapar este "buraco serve". E segundo o que li num jornal a EMEL já apresenta perdas significativas após ter começado a renovar a sua "frota" de parquímetros.
    Voltando ao tema central, segundo a página do técnico o somatório de docentes+investigadores+Pessoal ronda as 1700 pessoas. Nem todos trabalham no campus da Alameda, mas é fácil de notar que os 750 lugares não são suficientes no horário de expediente (7:00 - 17:00 ?), notando-se a dificuldade de estacionamento a partir das 10:00.
    Se o problema já se põe com estes números, como se tornaria a situação se os carros deixassem de puder circular à frente do central e os lugares na zona lateral do mesmo fossem reduzidos em cerca de 90%? Estimo um défice de cerca de 200 lugares por observação da zona.
    Não sou contra a mobilidade do peão dentro da alameda e admito que não me importava de ter direito a um lugar 24 horas dentro do técnico.
    A única coisa que peço é bom senso da vossa parte e penso que não pensaram no mal maior que a vossa solução poderá originar caso seja aceite.
    Diz a frase popular que "mudam-se os tempos, mudam-se as vontades..." e é natural que apareçam ideias para mudar, não concordo é com o originar de outro grande problema para tornar o técnico mais bonito à vista.
    Cumprimentos

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